sábado, 15 de janeiro de 2011

O jardim onde te beijei


As pupilas ainda não se acostumaram à ténue luz. O crepúsculo parece eterno e iridescente. Vagueio pelas ruas, sôfrego. Desço uma avenida dedicada a Camões, continuo a deambular. Vejo árvores, é o Jardim Municipal. No anfiteatro ecoa o silêncio. Entro no jardim. Cinco passos. Volto atrás. Não quero estar naquele lugar. Ainda não sei porquê e sigo noutra direcção. A minha memória está impertinente e descabida. Lembro-me dos teus beijos! Lânguidos momentos. Paro. Olho em volta. Ausência. Um ermo avesso. Desço. Volto a subir. Parece que estou perdido, mas não, apenas desejo perder-me, desencontrar-me. Encontro um conhecido. Digo-lhe que estou com pressa. Só me apercebo que menti minutos depois. Encontro uma placa, dourada. Muito devagar leio o que lá está escrito. Os olhos traem-me por vezes. Reminiscência. Tenho oito anos. Estou sentado num banco a ler Sophia de Mello Breyner: Por-que os ou-tros se mas-ca-ram e tu não. «Não me sais da cabeça!». Despertar brusco. Eu não lia Sophia de Mello Breyner aos oito anos. Estou outra vez a mentir, desta vez a mim próprio. Encontro na placa o meu reflexo. «Porque te iludes?», pergunto eu. Continuo a caminhar, como se tivesse a fugir, mas mais parece que só ando as voltas, daquele jardim onde te beijei.